Costa Gavras em Salvador
Costa Gavras em Salvador
por Ricardo Liper
Tinha ouvido falar que Costa Gavras viria a Salvador. Não acreditei. Nessa escuridão cultural que se abateu sobre o País e já dura muito mais de 20 anos, sem nenhum sintoma que vai mudar, muito pelo contrário, não achei possível esse clarão, de repente, ocorrer. Para a minha surpresa, sua vinda era verdade. Talvez por isso demorei de procurar um jeito de ver Costa Gavras, um dos meus diretores de cinema preferidos. Fui à Reitoria da UFBA para saber a data exata de sua palestra para vê-lo passar na rua, eu debaixo de chuva ou sol. Bastava isso, ficar como beata, diante de cortejo de Papa. Surpreendi-me muito quando Paulo Dourado, que não conheço a não ser de nome, me permitiu ter acesso à palestra de Costa Gavras.
Estou acostumado a ser tratado como escravo do Segundo Império ou condutor de carroça na República Velha, em todos os órgãos oficiais brasileiros e empresas que nos prestam serviços, inclusive a UFBA, da qual sou professor. Fiquei pasmo que a prática que impera no nosso País desde o descobrimento não funcionasse neste dia: podendo dificultar, dificulte, podendo prejudicar, prejudique, podendo perseguir, persiga. Só atenda os amigos, famosos e poderosos. Boquiaberto, não precisei preencher fichas e cadastros, os mais detalhadas possíveis, apresentar xerox autenticadas dos mais desnecessários documentos nem pegar fichas para ser atendido. Bastou-me dizer que ensinava Estética que Paulo Dourado me permitiu o acesso, na hora, gratuito, sem taxas pagas no Banco do Brasil, demagógicos quilos de comida, sem nenhum tipo de dificuldade ou protocolo.
Uma funcionária tentou dar o não pode ser lembrando-se da sua encarnação anterior na República Velha, mas Paulo a conteve. Estou acostumado a encontrar funcionários ou do D. Fradique de Toledo Osório ou do Marechal Deodoro da Fonseca reencarnados. Em uma sociedade, diferente da nossa, eu teria de ser reeducado. Fico tenso, angustiado, deprimido, estressado e sem saber o que fazer quando não sou agredido e, o pior, quando sou bem tratado nos órgãos públicos e empresas brasileiras.
O PORQUÊ DA ADMIRAÇÃO
Agora você vai entender porque eu gosto tanto de Costa Gavras. Ele é o diretor que mais mostra o efeito do autoritarismo, da injustiça, arrogância, burocracia tola e perversa na vitimação e esterilização de culturas, países e pessoas. Com uma mão segura, uma direção linear, sem presunção, modismos intelectuais, suposta sugestão de genialidade, ele conduz seus filmes de forma clara como o faz os que têm, de fato, o que dizer.
O primeiro filme que vi dele foi “ Z ”. Desce a madeira nas ditaduras de direita. Depois fez o mesmo com as ditaduras do socialismo autoritário europeu em “ A Confissão”. Quando desceu o sarrafo nos dois sistemas de governo, visando apenas mostrar a verdade, fiquei seu espectador cativo e entusiasmado. Em algumas cenas de seus filmes sinto vontade de me ajoelhar. O senti libertário, sem hipocrisia, sem oportunismo. Coitados de nossos pequenos intelectuais. Sempre apoiando ditaduras, equívocos e exotismos culturais. Hoje, contentam-se com Cuba.
No século XX o nazismo obteve o silêncio de Roma de Pio XII frente aos crimes cometidos contra a humanidade durante a segunda guerra mundial .
Não perdi mais nenhum dos filmes de Costa Gavras. “ Amém” foi o seu mais recente presente. Mostra, de maneira magnífica, o oportunismo da Igreja Católica diante do nazismo. Esse crime ela jamais conseguirá livrar-se da culpa. Foi vergonhosa e covarde sua conivência com o nazismo. A sua sorte é que o inferno não existe. Gosto também muito da maneira que ele tem de narrar, à maneira dos filmes policiais, suas histórias sem encher o saco dos espectadores. Na minha modesta opinião ele é um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos.
Aspectos cinematográficos e a História real de Amém
Ricardo Líper é professor de Estética da UFBA. |